terça-feira, 22 de abril de 2008

A Canção “do ainda não"


Por Antônio Carlos Soares dos Santos


“As bem aventuranças” é, em minha opinião, o texto religioso mais sublime que já foi escrito. Transmite uma boa sensação...transmite paz de espírito...parece nos aproximar mais de Deus. É sem dúvida uma obra literária de primeira grandeza. Porém, na maioria das vezes é somente isso que esse texto é: um conjunto de palavras bonitas! Isso basta para esse escrito? Basta que seja bonitas palavras e então cumpriu o papel para o qual foi designado?

Sabem o que passei a sentir nos últimos dias ao ler o Sermão do monte? Vergonha! Senti uma inevitável vergonha! Lembrei de uma canção que a letra diz: “O que estou fazendo se sou cristão?” E perguntei para mim mesmo: “É...o que estou fazendo?” A que eu reduzi meu compromisso cristão? “As Bem Aventuranças” é chamada por Rubem Alves por “A canção do ainda não”:

Bem aventurados os que ainda não são consolados;
Bem aventurados os que ainda não possuem a terra;Bem aventurados os que ainda não tem pão;
Bem aventurados os que ainda não riem;
Bem aventurado os que ainda não possuem o Reino de Deus;
Bem aventurados os que ainda não têm paz

O grande desafio é detectar quem são esses Bem Aventurados. No texto, a pista que nos é deixada é de que esses Bem Aventurados vivem somente de uma coisa: esperança. Nada tem, mas esperam tudo. Tem, nas palavras do evangelho uma promessa: “Ainda não, mas um dia sim!” Gosto de fazer a ligação entre “As Bem Aventuranças” e o famoso João 3.16. No meu entender dizem a mesma coisa. Deus ama e ama muito! A mensagem do Reino de Deus é esta: Este amor infinito de Deus há de se manifestar de forma definitiva. “As Bem Aventuranças” é uma mensagem que não deveria nunca ser calada...deveria ser lembrada diariamente, pois ela é sustento da alma daqueles que hoje choram e esperam um reverso de sua situação. Deveríamos lembrar desse texto...fazer todos se lembrarem... O problema é que na maioria das vezes queremos distância dos Bem Aventurados de Jesus.

Jesus era um homem que incomodava muito algumas pessoas. Entre seus ouvintes, haviam pessoas que gostavam do que ele dizia, porque viviam e experimentavam as suas verdades ali ditas, e havia também, quem não gostava nada do que ele falava, porque se sentia atacado por ele. O primeiro grupo, aqueles que gostavam, se enquadravam nas “Bem aventuranças”, pobres, injustiçados, marginalizados, Todo tipo de escória da sociedade da época. O outro grupo, os que não gostavam, se enquadravam nos “Ais” dito por Jesus. Fico imaginando como deveria ser perturbador para aquela classe dominante ouvir um nazareno falando: Ai de vós que agora tem consolação, Ai de vós que estão fartos, Ai de vós que agora riem...O “Ai” era uma expressão usada em funeral para lamentar o morto. Mas Jesus, apesar da oposição, nunca se calou, nunca se omitiu, sempre falava, não o que queriam que Ele dissesse, mas aquilo que deveria ser dito. O problema é que os que se achavam “poderosos” estavam justamente, no grupo dos “Ais”, aqueles que não gostavam do que Jesus falava. E por isso ele foi assassinado. Creio na remissão dos pecados através de Jesus...mas nos esquecemos que Jesus foi morto, porque usou de sua voz para denunciar, para defender um povo sofrido e oprimido pela política e pela religião. Morreu por dizer que o que aqueles que diziam que eram “representantes” de Deus pregavam não era a verdade do Deus único. Jesus escolheu andar com quem não dava “ibope”. Ajudava quem não podia lhe dar nada em troca a não ser atenção e fidelidade... Jesus foi morto, por não querer se acomodar na sombra do poder e da exploração. E isso, meus irmãos e irmãs é assinar sentença de morte.Vivemos somente para nossos problemas e achamos que assim é melhor e mais certo. Mas, fica difícil explicar por que Jesus sentou-se na mesa para cear com prostitutas e abraçou leprosos, e andava com pescadores, que era uma profissão mal vista. Afinal, Ele não tinha nada a ver com os problemas daquelas pessoas mal sucedidas na vida. Por que? Por que tem pessoas que escolhem acolher e lutar ao lado dos desfavorecidos, sendo que em nossa sociedade só se dá bem na vida quem se acochava com corruptos?

Pessoas que para alguns são agitadores e desordeiros, para Jesus, são Bem Aventurados, são aqueles que “ainda não”. Isso que estou fazendo é política? Pode ser, mas quero ver alguém separar a amplitude da vida em sociedade sem a política. Até a Igreja usa de política. A grande questão é que tipo de política aplicamos em nosso meio.

Conheço sim, a realidade da minha cidade. Onde vi muitos jovens serem assassinados. Onde amigos foram mortos. Quando estava para vir para Altamira, confesso que estive indeciso e muitos perceberam minha indecisão e me disseram isto. Mas percebi que eu estava com medo de vir. Medo da violência, da Igreja que iria encontrar. Sobre o que as pessoas iriam achar da minha forma de pregar. Estava mesmo com medo. Porém, percebi também, que apesar do medo, temos sempre uma responsabilidade a cumprir. Pensei em Luther King, em Ghandi e pensei principalmente em Jesus...Tenho certeza que todos eles tiveram muito medo. Não quero e nem mereço qualquer comparação com essas pessoas e, menos ainda com Jesus. Mas sei reconhecer exemplos a serem seguidos.

Vejo pessoas que encaram desafios e outras centenas que morrem por justiça, igualdade, por liberdade, como os “proclamadores do Reino”. “As Bem Aventuranças” é a Utopia Divina a ser alcançada! Num mundo ainda sob o signo da morte, em que valores mais altos são crucificados e a brutalidade triunfa, onde quem luta pela verdade é taxado de desordeiro, agitador, herege... é ilusão proclamar uma perfeita harmonia como realidade presente. O sentido da vida depende do futuro. Reino de Deus e sentido da vida são dádivas da esperança.

Tem um texto , o qual não me lembro a autoria que traduz muito bem essa situação e que talvez algumas pessoas não entendam as atitudes e ações de pessoas como Ghandi, Martin Luther King e mesmo Jesus...o texto diz assim: “Depois de algum tempo, descobri que ficar exposto ao sol queima, descobri que por mais que eu me importe, há pessoas que simplesmente não se importam...” Ainda que queime o sol...Essas pessoas se importavam, enquanto outras simplesmente não se importavam.

Bem Aventurados os que ainda não
Ai daqueles que já têm tudo

Espero em Deus que haja em mim, em nós um terço que seja da coragem, da ousadia e do amor pela vida humana que esteve presente na vida de homens e mulheres de Deus que se doaram e principalmente na pessoa de Jesus Cristo, Nosso Senhor. Dizem que basta uma centelha para acender uma fogueira...o que será capaz de fazer então milhares de centelhas?Que assim seja!

Pastor da igreja metodista em Altamira no Pará

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